Seja bem-vindo. Hoje é

sábado, 2 de novembro de 2013

''PARA ORAR''

Faze-me sensível a todas as amostras da tua bondade
e que, confiando em Ti,
eu me liberte do terror da morte
e me sinta livre para viver intensa e alegremente
a vida que me deste,
Amém.

(Rubem Alves)
en "Creio na ressurreição do corpo"

''A musica''

A música acontece no silêncio.
É preciso que todos os ruídos cessem.
No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado
que mora em nós...
A alma é uma catedral submersa..
Somos todos olhos e ouvidos...
Ouvimos a melodia que não havia
que de tão linda nos faz chorar.
Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros:
a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente
se juntam num contraponto...

Rubem Alves,
in: Escutatória

segunda-feira, 4 de março de 2013

"Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente"





Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís de Camões

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

''Abandonei-me ao vento''



Abandonei-me ao vento. Quem sou, pode
explicar-te o vento que me invade.
E já perdi o nome ao som da morte,
ganhei um outro livre, que me sabe

quando me levantar e o corpo solte
o meu despojo vão. Em toda parte
o vento há-de soprar, onde não cabe
a morte mais. A morte a morte explode.

E os seus fragmentos caem na viração
e o que ela foi na pedra se consome.
Abandonei-me ao vento como um grão.

Sem a opressão dos ganhos, utensílio,
abandonei-me. E assim fiquei conciso,
eterno. Mas o amor guardou meu nome.

Carlos Nejar

domingo, 15 de julho de 2012

''O LUAR E O CHAFARIZ''



No chafariz o tênue gorgolejo
era pura magia. O encantamento
enchia a clara noite e, lento, lento,
iam sacudindo os sonhos, e o Desejo.

Mas isto foi no efêmero momento.
De há muito a voz calou-se. Agora vejo
pedras tombadas, seca a fonte, e o adejo
de asas de sombra e de aniquilamento.

E o luar, que ao toque mágico da antiga
cantiga da água, era também cantiga
fluindo, fresca e feliz, do céu profundo,

nesta hora triste e trêmula da vida,
condensado em lembrança dolorida,
é silêncio infinito sobre o mundo.

Tasso da Silveira

''NOITE DESMEDIDA''



Por quem se fez a noite do meu canto
fosse talvez pastor dessa ocarina
de muitos sons vibráteis como pranto
de partitura agônica e ferina

em que a medida exata principia
no labirinto negro - infinda hora.
Inevitável noite que em si é dia
mesmo sabendo raio dessa aurora

há de sangrar a inversa tessitura:
rubro poente - líquida ferida
a refletir a dor de tanta agrura

nesses perdidos traços que na vida
vão se forjando em forma de escritura
para a amplidão da noite desmedida.

Aníbal Beça

sábado, 14 de julho de 2012

NOITE CHUVOSA


NOITE CHUVOSA
Claudia Dimer

Vaga a noite chuvosa; triste e lenta
A vislumbrar a luz em relampejos...
Parece louca e morta de desejos
De aumentar o vazio que atormenta.

Dela todo o ser vivo então se ausenta,
São gélidos e rudes os seus beijos,
traz uma fina chuva que em voejos
lacrimeja na rua nevoenta.

Noite chuvosa, passe!... vá direto
P'ra algum lugar de sombras, não sei onde...
És tu que rouba estrelas? onde estão?

Tu és tão triste e fria em teu trajeto
Que até a lua se te vê se esconde
P'ra se abrigar nos braços da amplidão!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

NOITES AMADAS


NOITES AMADAS
(Auta de Souza)

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

SILÊNCIOS


SILÊNCIOS
(Patricia Neme)

Os sinos cantam... O dia adormece,
envolto em véus, de rubro aquarelados.
A lua surge, mansamente... E cresce...
E alumbra os sonhos dos enamorados.

Uma coruja espreita o que acontece,
nos vãos da noite... Segredos guardados...
Jasmins sorriem, o ar refloresce;
os anjos brincam por sobre os telhados.

Luzes se apagam, o silêncio impera...
Uma ilusão, desperta e fica à espera
de quem jurou-lhe o amor que não tem fim.

O sino finda o dia... Traz a noite...
E vem a solidão, feroz açoite,
nas mãos de uma saudade que há mim!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A NOITE


A NOITE
(Julia da Costa)

Brilha o céu, mas em vão soluça de brada
A terra ansiosa, com pueril receio!
É densa a treva; nessa paz calada
Funda tristeza nos oprime o seio!

Tudo fenece, embaixo da orvalhada
Repousa o campo de perfumes cheio!
Negro é o mar, a floresta sossegada,
Dormem as aves da espessura em meio!

Embalde a noite traiçoeira e linda
Enche de encanto os bosques e atalhos,
E, enquanto de fulgor o espaço alinda,

Seu manto enfeita de gentis orvalhos:
Mentem os ermos na amplidão infinda!
Mentem as flores a tremer nos galhos!



SONETO NOTURNO


SONETO NOTURNO
(Ruy Espinheira Filho)

Penso na noite como um rio profundo
e lembro coisas deste e de outro mundo.
Outros mundos, aliás, que a vida é vasta
como diversa. E mesmo assim não basta,

o que nos faz tecer ainda outras vidas
nas nuvens da alma, e que nos são vividas
com tanta força quanto as outras mais,
em seus sonhos de agora e de jamais

(ou melhor: com mais força, pois que estamos
ainda mais vivos no que nos sonhamos).
Penso na noite como um mar sem fim

quebrando sombras sobre o cais de mim.
E , enfim, sem esperanças e sem prece,
pressinto a noite que não amanhece.

NOITES AMADAS


NOITES AMADAS
(Auta de Souza)

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

SONETO AO INVERNO


SONETO AO INVERNO
(Vinícius de Moraes)

Inverno, doce inverno das manhãs
Translúcidas, tardias e distantes
Propício ao sentimento das irmãs
E ao mistério da carne das amantes:

Quem és, que transfiguras as maçãs
Em iluminações dessemelhantes
E enlouqueces as rosas temporãs
Rosa-dos-ventos, rosa dos instantes?

Por que ruflaste as tremulantes asas
Alma do céu? o amor das coisas várias
Fez-te migrar – inverno sobre casas!

Anjo tutelar das luminárias
Preservador de santas e de estrelas...
Que importa a noite lúgubre escondê-las?

domingo, 8 de julho de 2012

As Pombas...


(Pintura de Willem Haenraets)

As Pombas...
(Raimundo Correia)

Vai-se a primeira pomba despertada ...
Vai-se outra mais ... mais outra ... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada ...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

Voz de fora


(Pintura de Willem Haenraets)

Voz de fora
(Manuel Bandeira)

Como da copa verde uma folha caída
treme e deriva à flor do arroio fugidio,
deixa-te assim também derivar pela vida,
que é como um largo, ondeante e misterioso rio...

Até que te surpreenda a carne dolorida
aquela sensação final de eterno frio,
abre-te à luz do sol que à alegria convida,
e enche-te de canções, ó coração vazio!

A asa do vento esflora as camélias e as rosas.
Toda a paisagem canta. E das moitas cheirosas
O aroma dos mirtais sobe nos céus escampos.

Vai beber o pleno ar... E enquanto lá repousas,
esquece as mágoas vás na poesia dos campos
e deixa transfundir-te, alma, na alma das cousas.